quinta-feira, 2 de agosto de 2012

VOTO DE CABRESTO: o coronel, o eleitor e a soberania



 


As três primeiras décadas do século XX foram marcadas pelo esforço do governo brasileiro numa tentativa de consolidar o sistema republicano recém-instalado. A monarquia era coisa do passado e concebida pelos integrantes do movimento republicano, antes mesmo da sua queda, como um sistema ultrapassado de governo e que, até então, impedira o Brasil de alcançar o progresso. Dessa forma, a “Coisa do Povo”, significado do termo latim res publica, implantada como sistema político em 15 de novembro de 1889, aparentemente traria grandes avanços para a população brasileira daquele período no que se refere aos direitos políticos.

Segundo o historiador Alfredo Boulos Júnior, “(...) na época do Império, era preciso ter uma renda mínima para votar; em outras palavras, o voto era censitário. Isso restringia o número de pessoas aptas a votar. A constituição republicana de 1891 , no entanto, aboliu o voto censitário. O eleitor deveria ser alfabetizado e mulheres, monges, frades e soldados não votavam. Porém, ainda que a exclusão do direito ao voto continuasse grande, o número de eleitores cresceu bastante.” (História: Sociedade & Cidadania. p.60)

Embora houvesse de fato o aumento do número de eleitores, o resultado obtido nas urnas estava muito longe de expressar a vontade real dos votantes, ou seja, as urnas apuradas Brasil afora, sobretudo nas zonas rurais, e vale lembrar que aproximadamente 70% da população brasileira em 1920 morava na zona rural, explicitava o domínio político exercido pelos coronéis nessas regiões.

A charge acima proposta é do gaúcho Alfredo Storni e foi publicada em 1927 satirizando o então “voto de cabresto”. Os elementos dispostos na cena nos proporcionam informações preciosas para uma análise crítica acerca da ação e da manipulação dos coronéis nas eleições na primeira república brasileira. Diante do exposto até aqui, passaremos a análise da charge:

Do lado esquerdo da cena aparece uma mulher com um vestido e com uma expressão de desapontamento, decepção ou tristeza. Repare que logo abaixo do vestido está escrito SOBERANIA, sendo assim, subtende-se que o termo soberania, se atrelado a eleições diretas, ganha o sentido de “vontade, decisão ou a escolha do povo em sua totalidade ou maioria”. Neste quesito reside um aspecto curioso, pois a moça (soberania) encontra-se fora da urna (entre a moça, o político e o burro) demonstrando que os resultados que saíam de dentro das urnas não expressavam a real vontade do povo, mas sim das oligarquias regionais que acabavam forçando as pessoas que estavam sob os seus domínios, a votarem em determinados candidatos, daí talvez saia a justificativa da desapontada expressão presente no rosto da moça.

Do lado direito da urna estão dispostos um coronel (POLÍTICO) segurando um ELEITOR pela rédea, este representado com uma cabeça de burro e um cabresto (cabresto é um equipamento utilizado em animais de montaria como burros, jumentos, cavalos e que servem para orientar o animal segundo a vontade do montador). Nota-se a postura curvada do eleitor, submisso e cabisbaixo. Esta cena em si, simboliza exatamente o sentido da palavra cabresto, ou seja, o coronel conduzia seus subordinados a seção eleitoral obrigando-os a votar no candidato que estava atrelado ao seu interesse, seguindo a linha de raciocínio de que “o que fosse bom para o coronel, seria bom para seus dependentes”.

Outro aspecto interessante na cena é que o eleitor carrega consigo um livro ou uma caderneta transmitindo-nos a ideia de que ele é alfabetizado, já que esta era uma das condições exigidas pela constituição para se exercer o direito ao voto. Para finalizar, olhando a paisagem em que a cena se passa, chegaremos a conclusão de que os personagens estão na zona rural.

Contudo, o voto de cabresto perpetuou-se por muitos anos, garantindo a hegemonia política de determinados grupos oligárquicos brasileiros principalmente os de Minas Gerais e São Paulo. Este tipo de manipulação eleitoreira variou no tempo e se vacilar, ainda hoje encontraremos situações assemelhadas a este tipo de manipulação política, cabendo a nós instigarmos a nossa imaginação e analisar a fundo a jogatina política vivenciada nos dias atuais. Para não me alongar mais, citarei um exemplo:

Será que o fato de algumas emissoras de TV, revistas, jornais, sites, dentre outras fontes midiáticas, serem tendenciosas a determinadas ideologias políticas, não acabam sendo decisivas no que diz respeito a escolha de um candidato num processo eleitoral? E sendo dessa forma, a soberania popular não ficaria mais uma vez de fora das urnas? Será que os eleitores diante dos discursos difundidos não acabam sendo conduzidos mais uma vez pelos “coronéis” da atualidade como se utilizassem “cabrestos”?

É uma boa discussão...

Valeu pessoal, um abraço forte e até a próxima postagem.

Hermes Júnior

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